Quando o vapor inglês, atracado no velho trapiche há dias, zarpou, rumando para o sul, naquela distante madrugada fria, deixou para trás, em terras tremembés, um súdito da realeza britânica.
Nunca se soube ao certo por que Mr. Cartwright resolvera ficar na cidade. Muitos achavam que era um espião!
Inteligente, com perseverança incomum, ele logo aprendeu o idioma lusitano, montando, em seguida, um pequeno escritório de representação comercial.
Bem apessoado, fidalgo, um perfeito cavalheiro, não demorou muito para adentrar os salões burgueses, que borbulhavam champanhe e vaidades, que lhe abriam as portas com a regularidade do caminhar das estrelas pelo céu.
Foi num desses finos e concorridos saraus que veio a conhecer D. Alda, rica viúva, outrora bela flor do campo que começava a murchar no jardim da vida.
Cedo casaram-se, indo ele morar, doravante, no suntuoso palacete que um dia fora do abastado Coronel Ribeiro Neves. Com o passar dos anos, a lava do vulcão da paixão esfriou, enquanto o carcará do tédio voava ligeiro pelos ares.
Nisso, Mr. Cartwright, ávido por um sopro de alegria, andava sempre às voltas com um rabo de saia, buscando consolo fortuito nos braços de outras damas.
Por esse tempo, usava terno de linho branco para ir à orgia, não consultando sequer uma única vez o relógio de algibeira para ver o adiantado das horas.
De cabelos bem penteados com brilhantina Glostora, levava ainda consigo, de volta ao lar, sem quaisquer receios, o perfume barato das mariposas do cais.
Amante da boemia, daquela mesmo mais escancarada, ele não se cansava nunca de fazer algumas viagens de cabotagem às casas de lanternas vermelhas, que pontilhavam a orla, tingindo dessa cor as noites de antanho.
Às sextas-feiras, ele era o primeiro a bater ponto, no Veleiro, onde a mulherada de batom vermelho e sorriso fácil reinava absoluta no ritmo vibrante da gafieira.
E os dias corriam felizes até Mr. Cartwright engraçar-se pela mulher do Chico Telegrafista, uma mulata alta, curvilínea, dessas de abrir quarteirão ao passar.
Privando da amizade do casal, o gringo, que não era nada trouxa, mas passado na casca do alho das mil safadezas, foi se fazendo de casa, não conseguindo disfarçar o brilho da luxúria que chispava em seus olhos loucos.
Aquilo não durou muito!
Certa feita, o marido da beldade, já desconfiado das gentilezas sem fim de Mr. Cartwright, convidou-o para uma pescaria num fim de semana.
Num domingo cinzento, com o sol teimando em não querer acordar, o Albatroz levantou voo perto da Pedra do Mero com os dois companheiros de aventura. No finzinho da tarde, porém, ao retornar, feliz, ao ninho, debaixo de chuva fina, a canoa estranhamente trazia somente um ocupante debaixo de suas asas gigantescas.
No outro dia, no relato ao delegado de plantão, homem bom, mas de pouca instrução, o discípulo de Morse dissera-lhe que ambos haviam bebido demais, não se dando conta quando Mr. Cartwright caíra ao mar. Na situação em que se encontrava, justificara ele, fingindo grande tristeza, nada pudera ser feito.
*Professor e Escritor Camocinense